Ensaios

Um dia de filhos e filhas

Estranhamente, depois de 11 anos da morte do meu pai, só consigo me recordar de um dia dos pais que passei ao seu lado. Logo eu, que tenho memória pra tudo que é besteira, não consigo me lembrar de mais do que um dia dos pais com ele. Dias das mães, Natais, Reveillons, lembro de muitos, mas, do dia dos pais, só esse.

Era um domingo frio mas de sol. Cruzei boa parte da cidade vazia de ônibus até a feira do livro para comprar o presente do meu pai, mais um volume das memórias de Churchill, e fui para a casa dele para almoçarmos. Ele estava, como quase todos os dias depois da operação do seu câncer, de pijama, sentado numa poltrona. Claramente deprimido. Algo que eu percebia, mas toda a sua família negava. Dei seu presente, que ele abriu sem muito entusiasmo, e nos abraçamos, também sem muita emoção, enquanto meu pai fazia sua imitação clássica do Chacrinha: “Aquele Abraaaaaaaço”. Fiquei ao seu lado assistindo à TV. Depois de almoçarmos brevemente, na época ele já não tinha muita vontade de comer, o que acabou por custar a sua saúde e sua vida, fui embora.

– Um feliz dia dos pais- me despedi.
– Besteira- ele repetiu o que dizia todos os anos.- Dia dos pais é todo dia.

Fui embora, mais uma vez revoltado com as suas palavras, e não pensei mais no assunto. Até hoje: o meu primeiro dia dos pais do outro lado do balcão.

– O que você quer fazer no dia dos pais?- minha mulher me perguntou há alguns dias.

Não soube responder. A minha experiência com a data, ou a falta da mesma, não me permitia grandes vôos de criatividade. Não havia um lugar específico que gostaria de visitar, especialmente considerando a quantidade de estranhos que seria obrigado a encontrar. Ficar em casa parecia bom, mas também não tinha idéia do que gostaria de fazer ou comer em especial. Frente ao meu silêncio, ela, como muitas vezes antes, usou o famoso expediente:

– Pode deixar. Eu faço uma surpresa.

E, assim, hoje eu acordei. Sem saber o que aconteceria. Sem saber o que fazer.

Minha filha e minha mulher ainda dormiam. Lembrei do meu pai e do seu famoso adágio, “Todo dia é dia dos pais”; e percebi como ele estava certo. E errado. Todo dia é dia dos pais, mas só um dia do ano é dedicado aos filhos para que eles possam agradecer e celebrar àquele  que lhes permite ser filhos. Talvez por isso me incomodasse tanto a postura do meu pai. Em momento algum ele estava pronto para me deixar celebrá-lo e lembrá-lo que havia uma razão para que ele fosse pai: eu. Se esse era um dia dos pais, era também o dia daqueles que lhes davam o direito de serem assim chamados.

Pensando nisso, corri a casa toda, lavei pratos, arrumei o que podia e deixei tudo pronto para que, ao invés de tratar o dia dos pais como uma folga do papel recém adquirido, eu pudesse agradecer à minha filha pela oportunidade maravilhosa que ela me deu de ser seu pai. Ao contrário do que parece, esse não é um dia de papéis, mas de laços. Alícia, esse é um dia tanto seu, como meu como da sua mãe, como de meu pai.

Dia dos pais com Alícia
Feliz dia da filha, capitã da frota estelar Alícia Gaertner

Por isso, na próxima vez que me perguntarem o que eu quero fazer de dia dos pais, vou responder na lata:

– Não sei, filha. O que você gostaria de fazer com o seu pai?

Só fica uma dúvida. Será que hoje ela vai querer ler comigo as 26 primeiras edições do Animal Man do Grant Morrison? Sempre há uma chance. Vamos torcer.

Animal Man
“Você gosta de Animal Man, como o papai, não, Alicinha? Quer dizer, pelo menos a fase do Grant Morrison arrebenta. Não acha?”

4 thoughts on “Um dia de filhos e filhas”

  1. Lisandro,
    Obrigada pelo post!
    Bom receber notícias suas e saber que está bem, aprendendo a melhor maneira de curtir o dia dos pais com sua boneca!
    À propósito, ela está linda!
    Abraço p/ vc e Gabi

  2. que lindo texto.. aliás, mais um… pois é, também sinto falta de não ter tido a oportunidade de comemorar dias dos Pais.. vc lembra de um e eu, de nenhum, visto que o meu partiu quando eu não tinha ainda nem quatro anos… mas como vc disse, é um dia para comemorar laços.. e comemoramos com o Guto, em casa, simplesmente nos deixando ficar em paz.. aliás, foi uma delícia… beijocas, amore.. e parabéns, atrasados, porém não prescritos…kkk

    TT

  3. Lisandro, adorei o post e como a vida é uma grande celebração, não importa se é pai ou filho. Vamos comemorar sempre ! bjs Janete

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