Ensaios

As manhãs de domingo

Imagino a tristeza que foi o dia em que inventaram os dias da semana. Como, minha senhora? Se os dias da semana foram inventados? Claro que foram. Não posso dizer que são um embuste, apesar de o serem, mas, colocando de maneira mais polida, vamos dizer que eles são uma convenção. Sábado, domingo, segunda e assim por diante não passam de convenções. Combinadas entre nós e fielmente seguidas como uma religião indiscutível. Precisávamos de um sistema em que as pessoas soubessem o que precisavam fazer pessoal e coletivamente de sete em sete dias e, presto!, os dias da semana foram inventados.

Antes devia ser um troço muito mais legal. O sujeito acordava e decidia o que tinha que (ou queria) fazer. Ia lá, fazia e depois voltava pra descansar. Dia seguinte, mesma rotina. Ou seja, sem rotina. Tirando a necessidade de marcar as estações do ano, os dias não tinham diferença um do outro. Eram simplesmente dias. E isso não os deixava sem cor. Muito pelo contrário. Os dias eram telas brancas onde você podia jogar as cores que quisesse. Li-ber-da-de. Ao contrário do que vivemos atualmente.

Hoje, depois de anos de lavagem cerebral, a carga emocional dos dias da semana deixou de ser uma facilidade e passou a nos oprimir. É segunda? Dia de ser ranzinza. Sexta? Ficar alegre e maldizer aqueles que te pagam. Sábado? Saturday Night (Fever or Not). Quarta? Para Nenê e Lineu, o dia mais esperado. Mas um dia, em especial um pedaço dele, me parece que criou uma mística diferente: as manhãs de domingo.

Não sei exatamente o porquê, mas a quantidade de música a respeito delas sempre me intrigou.

A primeira música que ouvi sobre elas foi a do Bolshoi. Engraçado que encaixava direitinho com o que eu sentia. Era o dia em que eu costumava passar mal quando criança. Não posso ser categórico e dizer que eu somatizava, mas hoje posso dizer que havia pelo menos forte uma correlação. Talvez a combinação família, crise existencial, pré adolescência e hipocondria conseguia fechar a minha garganta num pedido metaforicamente realista por ar. Graças a Deus, sobrevivi a essas manhãs.

I remember when I was young
Feeling sick on Sunday morning
I don’t wanna do it anymore

Anos depois, as minhas manhãs de domingo se tornaram um momento de reflexão sobre o que se passou no segundo momento preferido dos compositores: a noite de sábado. Entender o que tinha se passado era mais importante que me martirizar pelo que havia à minha volta. Isso mostrava uma certa independência e poder para mudar o que queria em minha vida. Por mais limitada que fosse essa potência, a sensação era real.

Nas manhãs de domingo
Conversando com os amigos invisíveis
Seu rosto ainda reflete
a noite que passou

É claro que a reflexão impunha decisões. Em alguns casos o importante era mostrar que o passado tinha ficado pra trás e que eu precisava me mover. Esse sentimento de ruptura vez ou outra, era inevitável, vinha cheio de raiva e despeito. Coisa de angry young man.

You came in with the breeze
On Sunday Morning
You sure have changed since yesterday
Without any warning
And you want me badly
You cannot have me

Em outros casos, mais comuns hoje em dia, essa reflexão é mais agradável com o passado. Ao invés dos cortes abruptos que ansiava anteriormente, fico mais confortável em olhar tudo como um processo evolutivo e abraçar o que fui, o que serei e o presente representado pelas manhãs de domingo.

Sunday morning, praise the dawning
It’s just a restless feeling by my side
Early dawning, Sunday morning
It’s just the wasted years so close behind

Pensando bem, a mística de recomeço proporcionado pelas manhãs de domingo, desde as mais angustiantes e sísifas até as mais esperançosas, tem lá o seu valor. Talvez a idéia dos dias da semana não seja tão ruim. Pode, ao contrário do que imagina, nos livrar de uma opressão mais forte e nos conceder uma oportunidade semanal de nos reinventar. O quê? Se eu estou me contradizendo, minha senhora? Claro, sem dúvida. Só espero que a senhora entenda essa mudança de idéia. Afinal, as manhãs de domingo estão aí pra isso. Pra recomeçar.

Vamos torcer que toda essa reflexão me leve um dia a ter uma segunda The Mamas and The Papas’ style.

Monday Monday, so good to me,
Monday Monday, it was all I hoped it would be
Oh Monday morning, Monday morning couldn’t guarantee
That Monday evening you would still be here with me.

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