Arquivo do Autor: Lisandro Gaertner

Sobre Lisandro Gaertner

Escritor, roteirista, game designer e especialista em aprendizagem. Mais informações na BIO.

2025.08.24

  • Uma grande diferença entre os filmes com super heróis pré MCU e pós são os closes. Antes o foco era nos personagens e abusavam dos closes para reforçar suas reações emocionais. Com o MCU o foco passou pro plano geral coreografado. Esse novo Super Homem retorna com os closes. Será que vinga?
  • Incrível como a história do gato de Grant Morrison morto por um osso de galinha em Animal Man #26 que li em 1990 ainda volta à minha mente toda vez que compro Frango Assado. A boa escrita traumatiza.
  • É surpreendente como a metalinguagem e a auto ficção tomaram boa parte do nosso imaginário, sem a elegância experimental dos textos pós 2a. Guerra. A minha impressão é que isso não é um movimento de quem escreve mas uma resposta a um público que perdeu a capacidade de suspender a descrença e se tornou parte interessada no aspecto financeiro do negócio da ficção. Não temos mais leitores, mas investidores.
  • 30 anos do Windows 95
  • Folhetim seriado em formato de jornal enviado por e-mail escrito por Benjamin Percy e Stephen King. Começa em Novembro. Link.
  • Há uma beleza delicada em como certos subplots entram nos episódios extremamente procedurais de Law & Order: SVU. É quase como se os protagonistas fossem coadjuvantes em suas próprias vidas. Tipo como nas nossas vidas, se vistas de fora de nossas cabeças.
  • “We all must ask ourselves what it is we want to do with our time on this planet. Do you want to make something beautiful and true and unique to you? Or do you want to make something formulaic, trend-chasing, and interchangeable because “the market” is says the ROI might be better?(…) Don’t get me wrong. Money matters. Being able to pay rent and afford to give yourself the time and space to make art matters. Artists live in the world and have to think about these things. There are no easy answers.(…)Don’t get me wrong. Money matters. Being able to pay rent and afford to give yourself the time and space to make art matters. Artists live in the world and have to think about these things. There are no easy answers.” Uma bela defesa do isolamento consciente para interagir com o mundo e desenvolver o trabalho que verdadeiramente nos interessam.
  • Devemos aceitar que a IA é inteligente e emocional pois inteligência e emoção são construções humanas de difícil definição que ela mesma poderá desconstruir com suas ações? Complicado. Devo assumir o que o outro me oferece, pois é difícil eu mesmo definir o que eu vejo? Kevin Kelly, eu esperava mais de você… mas no longo prazo é bem capaz de você se provar certo. Tendemos a conferir o que buscamos em nós mesmos aos objetos que nos cercam. A pergunta que se esconde por trás de tudo isso é se devemos tratar a IA, o artificial, como algo igual ou similar a nós. É um erro ou simplesmente inevitável?
  • “Like every great river and every great sea, the moon belongs to none and belongs to all. It still holds the key to madness, still controls the tides that lap on shores everywhere, still guards the lovers who kiss in every land under no banner but the sky. What a pity that in our moment of triumph we did not forswear the familiar Iwo Jima scene and plant instead a device acceptable to all: a limp white handkerchief, perhaps, symbol of the common cold, which, like the moon, affects us all, unites us all.” – E.B. White sobre a “conquista da Lua
  • Aleph é um tour de force de difícil compreensão. Do que ele fala, afinal? De percepção, atenção, arte e memória? De amor, ego, e da (in)capacidade de desapegar? Da falta de propósito de poder olhar todo o universo de todos os ângulos se não sabemos pra onde olhar? Borges, como sempre, como Escher, transita na construção de estruturas complexas auto recorrentes que aparentemente não levam a lugar, pois o que importa não é a chegada, mas o movimento circular.
  • “(…) machine-generated content is exploding across the internet, and it will inevitably make its way to Wikipedia. Wikipedia volunteers have showcased admirable resilience in maintaining the reliability of information on Wikipedia based on existing community-led policies and processes, sometimes leveraging AI/machine learning tools in this work.“ – O mais importante e emblemático conflito do uso da IA na geração de conteúdo provavelmente será esse e tem clara relação com o uso de IA na Gestão do Conhecimento corporativa. Qual será o resultado desse embate?
  • Qual é o limite da inspiração e do plágio? Não sei, mas aqui a confusão é patente. Cale-se, Cálice?
  • Claramente a maior fraqueza da extrema direita é não conseguir viver na ambiguidade, o que explica a razão pela qual a hipocrisia é uma de suas maiores características. Ao não conseguir entender os conflitos da alma, eles simplesmente os ignoram. Tanto para os outros como para si mesmos. Por isso desprezam tanto a inteligência e o conhecimento que só são exercitados e construídos em múltiplos processos de indefinições e descobertas. Para eles tudo é dogma, tudo é dado.
  • “Totalitarianism in power invariably replaces all first-rate talents, regardless of their sympathies, with those crackpots and fools whose lack of intelligence and creativity is still the best guarantee of their loyalty.” ? Hannah Arendt, The Origins of Totalitarianism

2025.08.23

  • Acho curiosa a avaliação do sucesso literário que sempre confundem com o sucesso editorial. Na verdade o  sucesso editorial em alguns casos pode até restringir ou prejudicar o literário. Se o livro não fez “sucesso”, a.k.a não vendeu muito nem deu notoriedade ao autor, isso não significa que se trata de um fracasso de quem escreveu, às vezes pode ser um sinal de fracasso do leitor.
  • A psicologia é justamente o inverso da Física Quântica: há previsibilidade e ordenação nos mini eventos e muita incerteza e “fuzziness” nos grandes.
  • Em paralelo aos filmes ditos sérios de ação, os anos 90 foram pródigos em sátiras e pastiches. Men in Black e Austin Black podem parecer comédias, mas são tão certeiros na falta de propósito dos conflitos internacionais (e intergalácticos) como os filmes pós Guerra Fria.
  • A escalagem das ameaças nos filmes de ação denota o quanto estamos desassociados de nós mesmos e de nossas tragédias pessoais. Para os heróis atuais, só vale levantar da cama se for pra salvar o mundo ou o universo. O restante dos nossos dramas? Nah, deixa pra lá. Melhor evitar a fadiga.
  • “…when you think about it, Ethan, it was inevitable..no more Cold War. No more secrets you keep from everyone but yourself, operations you answer to no one but yourself. Then one morning you wake up and find out the President of the United States is running the country – without your permission. The son-of-a- bitch! How dare he? You realize it’s over, you’re an obsolete piece of hardware not worth upgrading, you’ve got a lousy marriage and sixty-two grand a year. ” – Jim PhelpsMission Impossible (1996)
  • Não sei vocês, mas estou tendo algum tipo de síndrome que me faz olhar tudo que é foto e vídeo recente não só desconfiando, mas tendo quase certeza de, se tratar de produção de IA.
  • O século XX foi um século realmente peculiar. Muitas coisas que aconteceram nele não existiam e provavelmente não irão existir depois dele. Por exemplo: a disseminação em massa da alfabetização e da cultura; movimentos multigovernamentais em prol da liberdade, tolerância, diversidade, ecologia, e direitos humanos; e a popularização da ciência e da racionalidade. Ah, e os cigarros. O século XXI já dá sinais que vai acabar loguinho com tudo isso.  Exagero da minha parte, talvez os cigarros, na forma do Vape, consigam resistir.
  • O estranho processo de se tornar habitué de um novo restaurante. Sempre parece que não vai rolar, até que você, do nada, se vê marcando seu aniversário lá.
  • Acho que um dos únicos usos éticos e relevantes da IA seria produzir uma prequel do Missão Impossível com a equipe que é quase toda dizimada logo no início do primeiro filme. Um time com Emmanuelle Béart, Jon Voight, Kristin Scott Thomas, Tom Cruise, Ingeborga Dapkunaite, e Emilio Estevez é bom demais pra ter só 30 minutos de filme. Aposto que se tivessem feito esse filme na época daria um banho em toda a franquia, que, cá entre nós, se tornou apenas uma justificativa pro Tom Cruise dizer que não usa dublês.
  • Em tempo. Nos anos 90 rolou uma série de filmes de espionagem bem interessantes e com motes bem parecidos. Ronin, Quebra de Sigilo, Teoria da Conspiração, dentre outros, na falta de um inimigo óbvio, (a União Soviética tinha se esfacelado há poucos anos), tratavam sempre da espionagem continuando para simples atender ao poder pelo poder, ao jogo pelo jogo. Tanto que seus MacGuffins eram sempre vagos e esotéricos, e não havia de fato uma ameaça de fim do mundo. Pois, é, quando os impérios caem, as verdades brotam.
  • Nas imortais palavras da bruxa do Pica Pau: “E lá vamos nós“.

[oei#32] A taxonomia dos menosprezados padrões e aprendizados do processo editorial

Quando algum “romântico” quer defender a impossibilidade de se gerir projetos editoriais, sempre evoca o famoso adágio: “livros não são commodities”. Por essa razão declaram que as atividades e estratégias da produção editorial são não só impadronizáveis, mas também incontroláveis.

Tiro meu chapéu para essa estratégia de convencimento, afinal é impossível discordar dessa afirmação. Sim, livros não são commodities; cada livro tem uma trajetória específica, atende a públicos sempre nichados, e tem particularidades e peculiaridades que o distingue dos demais. Porém isso não é justificativa para não podermos padronizar parte dos seus processos, e muito menos para não podermos utilizar os aprendizados de um projeto para otimizar outro.

O fato é que os produtos e empreendimentos editoriais, como qualquer projeto, são sempre únicos e não têm relações de identidade, mas têm de semelhança. Portanto, podemos caracterizar seus padrões e as lições aprendidas por uma série de características que permitem a sua reprodução em outros que as compartilham. E esses conhecimentos terão aplicações tanto em fases específicas dos projetos quanto em suas áreas de conhecimento.

Parte dessas características estão relacionadas aos seus públicos-alvo. Livros de mesmo gênero ou voltados a públicos similares podem compartilhar mesmos processos, desde a seleção de obras e preparação, até o marketing e distribuição. É possível também aprender com erros e acertos de projetos anteriores desde que as experiências sejam similares. Assim, por exemplo, as atividades na produção de livros didáticos, manuais de RPG, ou publicações de luxo de traduções de obras clássicas russas vão ter características próprias que podem gerar de procedimentos até check lists padronizados onde incorporaremos a experiência e a especialidade de profissionais que já passaram por “sortes”, que tentarão repetir, e “azares”, que buscarão evitar.

Isso também se aplica às especificidades dos livros enquanto produtos, sejam eles físicos ou digitais. Características relacionadas a tamanho, formato, tipo de papel, interatividade e aprimoramentos, carregarão similaridades em riscos e atividades tanto no design quanto na produção gráfica que podem se repetir de um projeto para outro.

Outro fator de semelhança entre projetos e produtos são os profissionais e partes interessadas envolvidas. Mesmas faixas etárias ou formações acadêmicas,  mesmas instituições ou agendas comerciais, ou mesmas empresas e fornecedores terão similaridades nos seus comportamentos e interesses, que podem ser cadastradas em ferramentas de CRM (Customer Relationship Management) e servir de referência para processos decisórios e criações de estratégias de relacionamento e comunicação.

Óbvio que, se não temos a cultura ou a prática de padronizar e levantar aprendizados de projetos, haverá um processo inicialmente demorado para mapear e modelar procedimentos, coletar lições aprendidas e categorizar todos esses conhecimentos para usos futuros. Porém, é sempre possível começar com pequenos passos. O mais importante deles é abandonar a fantasia do “romântico” que diz ser impossível profissionalizar a atividade editorial, mas que, secretamente, acha que tudo sabe. Ao invés de alimentar essa postura, devemos assumir com muita humildade que sabemos que não sabemos o que não sabemos. Afinal de contas, o primeiro passo para aprender qualquer coisa é ter orgulho de dizer “eu não sei”.

(Ainda) Vale Tudo?

Um dos papos mais recorrentes no Pilates é o remake de Vale Tudo. Não é surpresa que mais de metade das nossas discussões são sobre comparações entre a novela original e a atual, e, óbvio, transitam entre antagonismos irresolvíveis e consensos indiscutíveis.

No campo das unanimidades, não há dúvidas, por exemplo, que ambas as Odetes são ótimas, apesar de a atual ter deixado de ser uma vilã clássica e virar uma fada sensata torta, mais por conta da chatice dos personagens que a cercam do que por concordância ideológica; outra coisa inquestionável é a falta de habilidade da Paola Oliveira em fazer uma Heleninha decente. Um desastre tão grande que com certeza faria a Heleninha de 1989 correr atrás de uma garrafa para esquecer essa mágoa.

Já nas discordâncias, o grupo não consegue concordar sobre qual Raquel é pior (meu voto é na Regina Duarte, por várias razões in e out obra); e principalmente não há consenso na pertinência da criação de um remake. Alguns dizem que o momento político pede, pois, afinal, ainda vale perguntar se no país “Vale Tudo”, enquanto outros consideram que uma obra surgida num Brasil de 35 anos atrás não consegue ser transposta para os dias de hoje.

Raquel e Maria de Fátima no remake e na versão original de 'Vale Tudo' - Foto: Globo/ Fábio Rocha; Globo / Divulgação

Mais do que 35 anos de transformações sociais as separam

Nesse ponto específico, me encontro entre essas duas posições. Enquanto considero que deveríamos continuar a nos perguntar se “Vale Tudo”, acho que o contexto atual do país demanda muitas mudanças na novela para que ela realmente faça sentido.

A “Vale Tudo” original trata de um país saindo de uma ditadura, e perdido entre um futuro de próspera liberdade, que não se concretizou, e os vícios de corrupção e autoritarismo do passado. No universo de outrora, a luta das pessoas comuns (Ivan, Raquel etc.) contra as elites que ainda são herdeiras de um passado oligárquico (Odete, Marco Aurélio etc.) é a tônica do conflito social brasileiro.

Hoje, o contexto é bem diferente. Ao invés de estarmos saindo de uma ditadura, estamos lutando para não voltar para uma. A elite continua a mesma, mas estava há anos se escondendo atrás de uma pauta falsamente progressista para agradar acionistas e fazer propagandas hipócritas. Porém, com um país mais polarizado, essa máscara cai. Libertos da necessidade de esconder suas reais intenções, os vilões acabariam surpreendendo os mocinhos que, ingenuamente, por anos poderiam ter considerado eles seus aliados.

As relações, tanto de poder quanto emocionais, entre os personagens seriam diferentes, assim como a conclusão da história. Enquanto na primeira Marco Aurélio foge do Brasil cheio de dinheiro, nessa para que ele precisaria fugir? Era bem capaz de se tornar político, coach picareta, ou, quem sabe?, os dois.

A impressão é que, nesse ínterim, entre as duas versões, tanto o país como o nosso estado de espírito mudaram muito. Se antes havia esperança na dúvida de se realmente “Vale Tudo”, hoje a desesperança se alimenta da certeza de que, sim, “Vale Tudo”. E somos nós, que mesmo sem dinheiro, queremos fugir como o Marco Aurélio de um país que não nos acolhe mais. Talvez, uma das decisões mais importantes que deveriam ter tomado na novela de hoje seria trocar o tema “Brasil” por algo mais representativo da aceitação debochada da nossa realidade. Que tal “Vale Tudo” de Tim Maia e Sandra de Sá?

No Pilates, todos concordamos que a pertinência do tema da novela é indiscutível, mas a teia de relações sociais do país mudou e  impactou as ambições de seus participantes. A novela não pode, assim, permanecer com o mesmo plot, nem com os mesmos arcos. Ah, e ninguém me convence que Bella Campos não poderia ser uma influencer trambiqueira por conta própria, sem precisar recorrer ao golpe do baú. Já a pobre da Maria de Fátima original, que nunca poderia ser modelo, apesar de toda a maldade, merece pelo menos um pouquinho da nossa afeição. Seja como for, se há algo que transcende todos os gaps sociais e históricos no Brasil é a malandragem.

Mas isso é papo para a próxima sessão de Pilates.

[oei#31] A gestão de projetos editoriais e seus múltiplos produtos experienciais

Mais do que gerar atrasos e prejuízos a todo o setor, a resistência do mercado editorial em implementar uma cultura de gestão de processos e projetos também estimula a falsa ideia de que o livro é o único ou principal produto dos seus projetos de publicação. Não é à toa que quando vemos pesquisas, análises, cenários, e outlooks sobre o Mercado Editorial, elas sempre recebem uma alcunha que reforça estarem falando do “Mercado do Livro”.

O mercado editorial, como o conhecemos, nasceu, sim, do livro, mas hoje, convenhamos, não se limita a ele. O próprio livro se tornou um objeto de difícil definição, e suas múltiplas variações (digital, áudio, jogo etc.) falam com tantos públicos, e dependem de tantas atividades e fluxos diferentes, que, muitas vezes, uma das poucas coisas que têm em comum é serem produzidos, ou financiados por editoras.

Essa ambiguidade do conceito do livro acaba nos paralisando conceitualmente numa busca infrutífera pela sua essência. Em vez disso, ela deveria nos libertar da ideia de que ele é o produto único ou principal dos projetos editoriais. Assim poderíamos encarar o valor que sua compra, seus diversos usos, e eventual leitura realmente geram. O livro, não podemos esquecer, é um meio, nunca um fim.

O comprador do livro, que, atentem, nem sempre é um leitor, não se satisfaz apenas com o produto, mas com o que ele traz para ele. Mesmo os bibliófilos compulsivos, como eu, que os compram como esporte, têm uma satisfação com a “caça” para o qual o livro também é simplesmente um meio.

Por isso, quando vamos falar da gestão dos projetos de publicação, precisamos, antes de tudo, entender qual é o público e o que ele espera que venha a surgir do seu encontro com o livro. Se atender a essa expectativa for o principal objetivo do projeto, o livro ainda será um produto importantíssimo, mas não o único, numa cadeia de experiências que se complementarão para entregar o valor esperado pelo seu público-alvo.

Essa compreensão é condição sine qua non para uma melhor definição das especificações do livro, das suas estratégias de comunicação e marketing, e, inclusive, para definir quais serão as metodologias mais adequadas para gerir os processos e o projeto que o concretizarão.

Por exemplo, um livro com o propósito de promover uma agenda política não precisa ser um best-seller, mas deve impactar os leitores certos. A sua lucratividade não será o único critério de sucesso, seja para o autor ou para a sua editora. Já um livro de caráter experimental será bem-sucedido pelo seu impacto em futuras publicações, o que o tornará, a longo prazo, um sleeper hit, ou um clássico cult, que terá um retorno financeiro menos imediato, porém mais duradouro, e carregado de capital social e de imagem. E cada projeto precisa de uma metodologia adequada para facilitar o atingimento de seus objetivos específicos.

Enquanto continuarmos a olhar para o mercado editorial simplesmente como o mercado do livro, só a implementação de uma cultura de projetos não nos permitirá ter melhores resultados. Precisamos também nos libertar dos objetivos monotemáticos que todos os fluxos editoriais parecem ter: maior volume de vendas e maximização do lucro.

Apesar de compartilhar uma série de atividades padrão, cada processo editorial é único; os livros dos quais eles derivam são únicos; seus produtos relacionados são únicos; e, somente ao considerar isso junto aos valores e à responsabilidade social da indústria, conseguiremos definir objetivos e metodologias de gestão alinhadas às suas características particulares. Só com esse match entre a prática de gestão de projetos e o modelo de negócios, as editoras atingirão os resultados que realmente as farão descobrir e desenvolver suas identidades e funções únicas, tanto comerciais, quanto sociais.

Para começar essa jornada, o primeiro passo é superar nossas ideias pré-concebidas sobre nossos clientes, sobre nossos objetivos, e até a compreensão do que fazemos. Talvez assim finalmente aceitaremos que, enquanto gestores de projetos, somos mais do que “simples” criadores e comercializadores de livros; somos verdadeiramente designers e produtores de experiências.

Corações e Mentes

Uma vez, no meio de um pacote de livros, me enviaram, de surpresa, dois squishy toys insólitos: um coração e um cérebro. A princípio não fiz nada com eles, mas, com o passar dos anos, eles acabaram assumindo funções bem específicas. O cérebro está no meu trabalho, em perfeito estado, ao lado do Gênio dos Smurfs, para não me deixar esquecer que é preciso, sim, usar a cabeça, mas sem querer ser esperto demais; já o coração, ah, coitado!, ficou solto pela minha casa, sem função definida, até que os gatos o acharam. Depois disso, ele some e reaparece, quando menos se espera, num estado cada vez pior.

Sempre que esbarro de surpresa com ele pelo chão, coberto de mordidas e pelos de gato, me pergunto se, enquanto meu cérebro tá lá preservadinho no trabalho, eu não estaria olhando para um vodu do meu próprio coração, mais estropiado a cada dia. Normalmente, o pensamento me passa direto pela cabeça e não volta. Porém, hoje, depois de reaparecer sem aviso, quase irreconhecível na boca da minha gata, resolvi guardá-lo num lugar seguro para protegê-lo das unhas e mandíbulas dos gatos e das ansiedades geradas pelas minhas superstições.

Óbvio que tudo isso não passa de uma manifestação dos meus medos da morte, e da patente discrepância de atenção que dou ao meu conhecimento e às minhas emoções, mas vai quê? Não custa nada usar o cérebro para proteger o coração.