Arquivo do Autor: Lisandro Gaertner

Sobre Lisandro Gaertner

Escritor, roteirista, game designer e especialista em aprendizagem. Mais informações na BIO.

40 anos de luto

“- Então, doutor, não é possível tentar o pneumotórax?
– Não. A única coisa a fazer é tocar um tango argentino.”
Pneumotórax – Manuel Bandeira

Sete e cinquenta e nooooooove….Oito! E assim, acalentando a minha filha, cheguei aos 40 anos. Algo que sempre me pareceu, senão impossível, bastante improvável. Pra dizer a verdade, esse sentimento não é inédito. Sempre pensei que nunca atingiria determinadas idades. Aos quinze, sentado no Bob’s do Edifício Avenida Central, enquanto lia Sonhos de uma Noite de Verão, depois de comprar uma penca de vinis, me congratulei: “OK. Você chegou até aqui, mas, sério, aos 18 não deve chegar”. Aos 18, bebendo sozinho num “piano-bar” de Copacabana enquanto assistia à reprise de uma das últimas lutas do Mike Tyson, não conseguia me convencer: “Dezoito. De-zoi-to! Meu Deus. A mim não restam nem 3 anos de vida…”. Aos 21, deitado no sofá de casa, assistindo a Um Dia em Nova York sem conseguir dormir, tentava me acalentar: “OK. OK. Até aqui foi assim. Não pode piorar. Ou pode?”. Estranhamente não tive crise aos 30. E, agora, aos 40, recém completados há 46 minutos, a sensação mista de agonia e aceitação é intrigante.

Como disse Victor Hugo, os 40 são a velhice da juventude, e os 50 são a juventude da velhice. Ou seja, sou um velho para os jovens e uma criança para os velhos. Essa condição paradoxal de não pertencer a lugar nenhum é quase um luto. Um luto bem real quando vejo que estou 40 anos mais perto da morte do que quando nasci. Mais experiente, é verdade, mas menos envolvido. Não há mais ligação real com os tempos passados e o futuro, ah, o futuro, esse ainda não chegou. O que fazer?

WIN_20140801_102431

O que esperar quando não se está esperando?

Continue lendo

Cada um tem a meritocracia que merece (ou aceita)

Montagem

Meritocracia, uma promessa (vazia) de todos

Meritocracia é uma daquelas palavras engraçadas que, livres de julgamento moral, vão adquirindo um caráter positivo ou negativo com o seu uso. O mesmo aconteceu com qualidade. Se você for lá na sua origem, vai descobrir que qualidade é apenas aquilo que qualifica. O sentido de qualidade como um qualificativo de caráter positivo foi sendo criado, alguns diriam distorcido, pelo seu uso. E hoje, sempre que se fala em qualidade, pensamos em características positivas. Com meritocracia aconteceu a mesma coisa.

Meritocracia é um sistema de gestão onde aqueles que tem o poder (cracia) o recebem por conta de seus méritos. Hoje, seja nas campanhas políticas ou dentro das empresas, vemos os líderes bradando que irão instituir a meritocracia ou que suas instituições funcionam como uma. Quando eles dizem isso, procuram apenas dizer que as pessoas com méritos irão ser recompensadas com o poder. O problema nesse discurso é que é impossível instituir uma meritocracia, pois, cá entre nós, todas as instituições são meritocráticas. Continue lendo

Um dia de filhos e filhas

Estranhamente, depois de 11 anos da morte do meu pai, só consigo me recordar de um dia dos pais que passei ao seu lado. Logo eu, que tenho memória pra tudo que é besteira, não consigo me lembrar de mais do que um dia dos pais com ele. Dias das mães, Natais, Reveillons, lembro de muitos, mas, do dia dos pais, só esse.

Era um domingo frio mas de sol. Cruzei boa parte da cidade vazia de ônibus até a feira do livro para comprar o presente do meu pai, mais um volume das memórias de Churchill, e fui para a casa dele para almoçarmos. Ele estava, como quase todos os dias depois da operação do seu câncer, de pijama, sentado numa poltrona. Claramente deprimido. Algo que eu percebia, mas toda a sua família negava. Dei seu presente, que ele abriu sem muito entusiasmo, e nos abraçamos, também sem muita emoção, enquanto meu pai fazia sua imitação clássica do Chacrinha: “Aquele Abraaaaaaaço”. Fiquei ao seu lado assistindo à TV. Depois de almoçarmos brevemente, na época ele já não tinha muita vontade de comer, o que acabou por custar a sua saúde e sua vida, fui embora. Continue lendo

518 dias sem facebook

new-profile-picture

Vou te dizer, facebook nunca me falou ao coração. Eu abri a minha conta em meados de 2007 e deixei sem atividade até a minha mulher fazer um intercâmbio no exterior em 2010. Naquela época, por conta das funcionalidades otimizadas de comunicação e compartilhamendo de fotos que outras ferramentas não agregavam, ele quebrou um galho. Calhou que na época o povo começou a abandonar o ORKUT e migrar pra lá. Nada mais natural que já estando por lá, e vendo os amigos chegarem, eu por lá ficasse. E lá fiquei. Até que começou a me encher.
Continue lendo

A arte que não se ensina

Popular, mas repetido como farsa

Popular, mas repetido até se tornar uma farsa

É impossível ir a uma exposição hoje em dia sem vê-los. Alí, em frente aos quadros, falando alto, correndo entre as obras, crianças, todas de uniforme, orbitam em volta das guias educativas dos museus.

– Tia, o que quer dizer esse quadro?
– Vamos ver se você adivinha.

Você espera. As crianças chutam, falam diversas loucuras, algumas bastante interessantes, até que uma delas dá parte da resposta que estava no livro de instruções da guia.

– Bingo! Você acertou. Parabéns.
– U-HU!- as crianças congratulam àquela que “entendeu” a arte. Continue lendo

Abaixo Spielberg e Lucas! Abaixo o cinema família!

spielberg-lucas-young

Bem intencionados, habilidosos, mas reacionários

Acho que grande parte da minha geração teve seu primeiro contato com ficção científica através dos filmes de Lucas e Spielberg. São espetáculos grandiosos e graficamente belos com heróis jovens ou mesmo infantis que em nada lembram os aterrorizantes filmes B dos anos 50 ou as fantasias eróticas, apocalípticas, sociais e/ou conceituais dos anos 60. São filmes limpos, inteligíveis, extremamente cativantes e aparentemente sem ideologia. Aparentemente. Continue lendo