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Hell Office

Eu costumava contar os dias, mas eles não fazem mais sentido. Esqueço de quantos já passei aqui. As guimbas de cigarro e as garrafas de cerveja vazias, que usava para contá-los, não são mais confiáveis. Eu as enfileiro num dia, tentando dar motivo e sentido ao que não tem, e no dia seguinte elas sumiram. Assim como o motivo e o sentido que eu fantasiei existirem. Quem as levou? Quem os levou?

Cada dia começa com a retomada da minha prisão ao amanhecer e termina com a minha sentença revogada ao pôr do sol.

E tudo segue normal. Normal. Ah, normal.

As intermináveis reuniões com os advogados da condicional, disfarçados de colegas de trabalho, que me prometem a liberdade em troca de documentos, planilhas, apresentações e e-mails sem significado. Os barulhos misteriosos nas paredes das celas alheias indicando que há vida e violência do lado de fora. As chamadas constantes dos porteiros da prisão para me informar que chegou mais uma entrega deliciosa e narcotizante. Mas, por mais que eu espere, infelizmente não há serra alguma dentro dos bolos das padarias.

Não há escape, não há esperança. Os dias passam e não passam. Os dias vão. E voltam. Diferentes e surpreendentemente iguais.

E ao final de cada sentença diária, eu estou livre, por pelo menos 15 minutos, mas não tenho lugar algum pra ir. Saio pro corredor, acendo um cigarro, tomo uma cerveja e da cela contígua sai um trabalhador de máscara me desejando boa noite. Eu retribuo, desejando nunca mais vê-lo. Eu durmo, esqueço dele mas o recrio, sonhando no dia seguinte encontrá-lo mais uma vez. Pela primeira vez. Pela última vez.

Onde foram parar as minhas guimbas e garrafas? Bom dia. Boa noite. Pela primeira vez. Mais uma vez. Da última vez.

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