Na minha adolescência, além de Dungeons & Dragons, um dos RPGs que eu mais devo ter jogado foi o Paranoia. Longe do heroísmo medieval do D&D, Paranoia era um jogo satírico passado num futuro baseado em 1984, Admirável Mundo Novo e Os Irmãos Marx. Sim, era assim mesmo, logo, excelente.
No jogo os participantes representavam um grupo de troubleshooters, mal traduzindo, resolvedores de problema, todos vestidos iguais, de macacões vermelho, lutando contra comunistas, mutantes e membros de sociedades secretas, numa vasta instalação subterrânea chamada de Complexo Alpha, onde a humanidade se escondera após algum apocalipse. Nessa comunidade coesa, onde a felicidade era obrigatória, todos recebiam ordens do COMPUTADOR, uma onipresente inteligência artificial, que, apesar de ter enlouquecido, sabia(?) o que era melhor para todos. A pegadinha do jogo era que você, um fiel servo do computador ensandecido, era secretamente um mutante e um membro de sociedade secreta. Pra piorar, você não podia revelar isso nem pros seus colegas, pois, em nome do computador, você podia ser assassinado e, assim, acabar gastando um dos seus seis clones.
Sim, era doido. Traições, objetivos sem sentido, diálogos non sense, surrealismo eram as tônicas das interações. A dinâmica das aventuras era mais caótica ainda. Cada jogador, além da missão dada pelo computador, tinha uma missão da sua sociedade secreta em particular, e tentava incriminar seus colegas de equipe para sair por cima sozinho. Literalmente era paranóia pura. Mas bem divertido.
Chegando em quase 80 dias de confinamento, hoje, depois de acordar de um sonho onde me movimentava por um complexo subterrâneo secreto gigante, comecei a me perguntar se não acabamos todos no complexo Alpha, escondendos nossos segredos, realizando missões para vozes que saem do computador, enquanto somos clamados a ser felizes por obrigação. As semelhanças são tão grandes que me assustam. A mim só faltam o macacão vermelho e uma pistola laser.
Cá entre nós, o que eu queria era dar um fim a essa loucura do computador toda e iníciar a Gloriosa Aventura da Revolução Popular.
O que houve, cidadão, você não está feliz? A felicidade é mandatória.